Mauro Santayana
Por Wilson Figueiredo
Há quem desconfie, com as ressalvas e incoerências inerentes ao personagem, que o presidente Lula já se deu conta de que a candidata Dilma Rousseff não correspondeu às expectativas dele e, cada vez mais, é do agrado da oposição. A seu ver, já se dissipou o saldo favorável que aliviou a constrangedora atmosfera em que se envolveu pessoalmente no caso do terceiro mandato.. A candidatura Dilma pegou de galho e aliviou as costas presidenciais da suspeita de que ele estava por trás da iniciativa, por falta de paciência para esperar a sucessão de 2014. Suspeita-se, pela descontração presidencial, que Lula se enfarou de ser bedel de candidaturas espalhadas por todo o país. A distância que está aumentando entre o presidente e a campanha de dona Dilma significaria, na melhor das hipóteses, que Lula leva em consideração outros aspectos que desconsiderou antes. Eleição é areia movediça. A distância que vai se interpondo entre Lula e a campanha está aberta a interpretações tanto naturais quanto sobrenaturais. É verdade que a candidata tem feito por onde ser reavaliada enquanto for tempo. Falta-lhe, de modo geral, o que em francês fluente os poliglotas chamam de physique du role. Ou, em bom português, no caso, a recomendável bossa para empreitada eleitoral. Lula percebeu em tempo que era caminho sem volta deixar correr no Congresso a emenda constitucional, já com numero suficiente de assinaturas e o ostensivo patrocínio do próprio vice-presidente em exercício áulico. Tratou de cair fora. Retirou, ainda cru, da boca da oposição, o pão do continuísmo que não ia atenuar a fome de democracia na opinião pública quando (por acaso?) se expandia como gripe a ideia sul-americana de outorgar ao eleitor o poder de permitir aos governantes, de acordo com a conveniência de cada um, mais de dois mandatos consecutivos. Desse ponto de vista, Lula acertou na mosca que zumbia na sua insônia. Poucas vezes, na história deste país, um governante soube sair tão lépido de uma armadilha. A troca do plebiscito pela candidatura feminina arquivou tanto o mensalão de triste memória quanto o terceiro mandato, de odor venezuelano, que fez republicano da gema torcer o nariz com empáfia cívica. Afinal, o Brasil foi, mas não se orgulha disso, o reformador das ditaduras tradicionais, com a associação do rodízio dos presidentes e a eleição indireta. Uma ditadura arejada pelo revezamento de presidentes e um bipartidarismo simplificador (um no poder e o outro eternamente na oposição). Funcionou enquanto foi possível e, quando deixou de ser, a oposição foi para o poder. Tudo voltou a ser como sempre foi. O passado fez o exercício de casa e, de modo redundante, continuou. Sem alarde e sem acerto de contas.
O efeito realmente novo, seis mandatos depois de eleições indiretas e diretas, veio a ser a candidatura Dilma Rousseff, que deu cobertura a Lula para se recompor com o alto juízo em que se tem e que o autoriza a zombar da oposição como se a sucessão fosse uma peça de Luigi Pirandello. Não é, mas passa perto do princípio pirandelliano, segundo o qual “assim é se lhe parece” e pelo qual se estrutura a vida representativa brasileira. E, se assim parece ao próprio Lula, muito mais ao petismo, pois se trata de solução respeitosa à democracia, e republicana sem deixar de ser à moda brasileira. Ficou subentendido, nos dois últimos anos do segundo mandato de Lula e no nascimento da candidatura Dilma Rousseff, o que poderia perfeitamente ser definido como rebolation, para elidir o intervalo entre o mensalão e a sucessão.
Este faz de conta democrático preencheu o vazio de ideias políticas à altura das necessidades, mas não autoriza otimismo segundo o qual é página virada o apelo ao retrocesso democrático, em nome da necessidade de evitar riscos inerentes à democracia. Do lado oficial, sem obras para mostrar, a candidatura de uma figura feminina de forno e fogão na sucessão contribuiu para conter os petistas e o petismo. O saldo social dos dois mandatos transcorridos tem mais peso histórico do que político. Lula demonstrou ser perfeitamente possível reduzir a desigualdade social sem colidir com a democracia. O resto de dois mandatos foi, em boa parte, zelar pela herança da social-democracia que precedeu o petismo e ainda sobra para quem chegar lá. Comentar
Enviado por: Mauro Santayana
Por Villas-Bôas Corrêa
Pelo noticiário das redes de televisão e pelos jornais procurei saciar a curiosidade sobre o primeiro debate dos três principais candidatos ou pré-candidatos à sucessão do insubstituível presidente Lula, o líder mais popular do mundo, promovido pela Associação Mineira dos Municípios, em Belo Horizonte, e que reuniu Dilma Rousseff, do PT, José Serra, do PSDB, e Marina Silva, do Partido Verde (PV).Li e reli os principais tópicos assinalados na primeira leitura. E, com a mais absoluta franqueza, curti ao longo do dia a frustração que mistura a superficialidade do falatório da trinca, com ressalvas quanto à candidata do PV. E o tom que procurou ser natural e descontraído da parlapatice do candidato da oposição, José Serra (PMDB), com o riso forçado para passar a impressão da cordialidade, quando o que o eleitor reclama são propostas polêmicas que definam a linha política de cada um. Marina Silva criticou as concessões que os partidos de Dilma e de José Serra fizeram quando assumiram o poder. As carapuças enterram na cabeça de Fernando Henrique Cardoso, o criador da praga da reeleição que acanalhou as campanhas para os três níveis de executivo - presidente, governadores e prefeitos - e na do PT de Lula. Marina reconheceu o erro do PT, quando era filiada ao partido: “Nós tentamos governar sozinhos, sem conversar com o PSDB, e acabamos reféns do que havia de pior no PMDB”. Pouco mais se aproveita do bate-papo inaugural da série de debates na fase decisiva da campanha, transmitidos ao vivo pela televisão e comentados em largos espaços nos jornais e revistas. Desembaraçado da seriedade de governador de São Paulo, o candidato José Serra estava com a corda toda. Surpreendeu as duas candidatas com o pré-convite patusco: “Se depois da campanha eu for eleito (e ninguém é eleito antes da campanha), vou querer – e pode parecer uma heresia – tanto o PT quanto o PV no governo. Com base no programa Nada de relação pessoal”. É apenas uma galanteria do candidato que, se levada a sério, extinguiria a oposição.A cantilena do trio não destoa das queixas de candidatos à reeleição, que atribuem à má vontade da imprensa o desinteresse do eleitor pela pré-campanha, que pode levar a um número desqualificante de votos nulos ou em branco. Pois, melhor nem de encomenda. Na noite de quarta-feira, dia 5, não exagero afirmar que tive a honra de dividir com o escritor e comentarista político Merval Pereira, de O Globo, duas horas de palestra na Casa do Saber, a primeira de uma série de debates com o público.Como são centenas as testemunhas, não receio desmentido. Em várias salas, outros temas atraíram os interessados. Mas a notícia do debate político encheu o salão. Assistência de todas as idades, muitos com cadernos para anotações, por duas horas e quebrados, com intervalo de dez minutos para esticar a perna e outras serventias, não arredou pé. Não saiu ninguém, tocado pela pressa ou o cansaço. E o debate aberto para perguntas garantiu o sucesso. Modéstia à parte, meio a meio com o Merval, fomos aplaudidos de pé por alguns minutos.E é simples a chave que abre o cofre arrombado do segredo. Nós estávamos ali para o depoimento franco. E a crítica direta e a análise sem meias palavras do pior Congresso de todos os tempos, o mais enlameado em escândalos. Na defesa da porta trancada da saída, que começa pela reforma política, com a Constituinte ou mesmo com emendas constitucionais que acabem com a orgia da roubalheira milionária da capital, que é a mais bela do mundo e que vem sendo pilhada por governadores de opereta, Assembleia Legislativa, o Roriz que favelizou a capital inaugurada antes de estar pronta e vem sendo saqueada por governadores que distribuem pacotes de notas aos cupinchas. E pelo Congresso das mordomias, vantagens, passagens aéreas para o fim de semana no feudo eleitoral.Esses são os temas que o eleitor quer que os candidatos discutam. Batendo no peito as pancadas do arrependimento. É só esperar para conferir. O que tem faltado ao nosso tempo é o respeito ao lugar-comum. Quando tentamos fugir do pensamento singelo, quase sempre caímos em esparrelas, algumas risíveis, outras, trágicas. Um dos lugares-comuns da história do homem é o de que ele só se libertou de sua condição animal com a palavra. A palavra foi o resultado de uma conjunção favorável da anatomia e da fisiologia dos primatas superiores com a necessidade de sua sobrevivência. O homem é homem porque se comunica, revela-se ao outro. Para que continuasse a crescer, foi preciso que inventasse a escrita, registrável em suportes duradouros, como as pedras, o papiro, o pergaminho – e o papel. Verba volant, scripta manent. É inconcebível – e voltamos a outro lugar-comum – que se arrolhem as gargantas, que se costurem os lábios, que se amordacem os homens. Se é inconcebível que assim se faça, igualmente inconcebível é que se atem os dedos e as mãos, a fim de impedir que se escreva.Cada um de nós tem o direito de escrever o que pensa e divulgar o que escreve, como assegura a Constituição, na definitiva interpretação do STF. Não podemos admitir que se impeça a difusão do que se escreve. Assim chegamos às ameaças constantes à liberdade de imprensa. A discussão pode parecer anacrônica, quando a irrupção da internet, como meio instantâneo de comunicações, permite a qualquer um dizer o que pensa. Pela internet podemos reproduzir os belos sonetos de Shakespeare, mas, da mesma forma, propagar nefandas ofensas.As empresas brasileiras de comunicação, de acordo com o que se informa, pretendem criar sistema autorregulador que discipline a atividade. Por mais generosa seja a ideia, ela em pouco difere de outra, nascida do corporativismo sindical, de se criar um Conselho Nacional de Jornalistas, que a consciência de muitos jornalistas e dos cidadãos repudiou. As empresas de comunicação, ao conceber o órgão autorregulador, nos ameaçam com a consolidação do pensamento único, de que a sociedade está sendo vítima, a partir da predominância dos interesses econômicos sobre os direitos sociais – enfim, do mal chamado neoliberalismo. A História é uma construção dos rebeldes, dos inconformados, dos hereges e dos subversivos de cada tempo. Assim, o primeiro cuidado dos totalitarismos é tentar algemar as ideias. Mediante a censura, eles conseguem – por algum tempo, mas nunca para sempre – esconder seus crimes, dissimular a tirania, converter ditadores em sujeitos comuns, como ocorreu no Brasil durante o governo Médici, no qual o general de plantão se tornou simpático torcedor de futebol. Há totalitarismos escancarados e totalitarismos manhosos. Os escancarados, além da censura direta dos meios de comunicação, valem-se da violência do Estado, cujos poderes usurpam, para a eliminação dos inimigos – ou seja, dos que lutam pela liberdade e pela dignidade dos seres humanos. Os manhosos torcem a semântica, e a liberdade essencial de ser passa a ser entendida apenas como a liberdade de ter. O princípio fundamental da democracia é a isonomia: cada cidadão tem o mesmo valor e o mesmo direito na sociedade política, seja rico ou pobre, intelectual ou artesão. Os ricos, no entanto, sempre foram ocupantes privilegiados do poder. A única forma de se lhes oferecer resistência é a liberdade de expressão, de que a autonomia dos jornalistas é o natural prolongamento.Os que, usando dessa liberdade, cometam crimes de calúnia, infâmia e injúria, que sejam punidos de acordo com o Código Penal, como qualquer cidadão comum. O jornalismo não pode ser o escudo dos canalhas, mas sim o instrumento para a promoção da justiça.A liberdade de imprensa já vem sendo ameaçada pela concentração, em poucas organizações, da propriedade dos veículos. A esse perigo se acrescenta agora a generalização da autocensura, com a criação do órgão “autorregulador”: uma arbitrariedade contra os jornalistas dignos de seu ofício e o direito dos cidadãos à informação e à opinião. Cabe a cada jornal estabelecer sua linha editorial, mas não é bom para a sociedade que ela seja comum a todos os veículos, como parece ser a intenção de alguns. Só na pluralidade e na controvérsia podemos encontrar a verdade possível.
Por Wilson Figueiredo
Há quem desconfie, com as ressalvas e incoerências inerentes ao personagem, que o presidente Lula já se deu conta de que a candidata Dilma Rousseff não correspondeu às expectativas dele e, cada vez mais, é do agrado da oposição. A seu ver, já se dissipou o saldo favorável que aliviou a constrangedora atmosfera em que se envolveu pessoalmente no caso do terceiro mandato.. A candidatura Dilma pegou de galho e aliviou as costas presidenciais da suspeita de que ele estava por trás da iniciativa, por falta de paciência para esperar a sucessão de 2014. Suspeita-se, pela descontração presidencial, que Lula se enfarou de ser bedel de candidaturas espalhadas por todo o país. A distância que está aumentando entre o presidente e a campanha de dona Dilma significaria, na melhor das hipóteses, que Lula leva em consideração outros aspectos que desconsiderou antes. Eleição é areia movediça. A distância que vai se interpondo entre Lula e a campanha está aberta a interpretações tanto naturais quanto sobrenaturais. É verdade que a candidata tem feito por onde ser reavaliada enquanto for tempo. Falta-lhe, de modo geral, o que em francês fluente os poliglotas chamam de physique du role. Ou, em bom português, no caso, a recomendável bossa para empreitada eleitoral. Lula percebeu em tempo que era caminho sem volta deixar correr no Congresso a emenda constitucional, já com numero suficiente de assinaturas e o ostensivo patrocínio do próprio vice-presidente em exercício áulico. Tratou de cair fora. Retirou, ainda cru, da boca da oposição, o pão do continuísmo que não ia atenuar a fome de democracia na opinião pública quando (por acaso?) se expandia como gripe a ideia sul-americana de outorgar ao eleitor o poder de permitir aos governantes, de acordo com a conveniência de cada um, mais de dois mandatos consecutivos. Desse ponto de vista, Lula acertou na mosca que zumbia na sua insônia. Poucas vezes, na história deste país, um governante soube sair tão lépido de uma armadilha. A troca do plebiscito pela candidatura feminina arquivou tanto o mensalão de triste memória quanto o terceiro mandato, de odor venezuelano, que fez republicano da gema torcer o nariz com empáfia cívica. Afinal, o Brasil foi, mas não se orgulha disso, o reformador das ditaduras tradicionais, com a associação do rodízio dos presidentes e a eleição indireta. Uma ditadura arejada pelo revezamento de presidentes e um bipartidarismo simplificador (um no poder e o outro eternamente na oposição). Funcionou enquanto foi possível e, quando deixou de ser, a oposição foi para o poder. Tudo voltou a ser como sempre foi. O passado fez o exercício de casa e, de modo redundante, continuou. Sem alarde e sem acerto de contas.
O efeito realmente novo, seis mandatos depois de eleições indiretas e diretas, veio a ser a candidatura Dilma Rousseff, que deu cobertura a Lula para se recompor com o alto juízo em que se tem e que o autoriza a zombar da oposição como se a sucessão fosse uma peça de Luigi Pirandello. Não é, mas passa perto do princípio pirandelliano, segundo o qual “assim é se lhe parece” e pelo qual se estrutura a vida representativa brasileira. E, se assim parece ao próprio Lula, muito mais ao petismo, pois se trata de solução respeitosa à democracia, e republicana sem deixar de ser à moda brasileira. Ficou subentendido, nos dois últimos anos do segundo mandato de Lula e no nascimento da candidatura Dilma Rousseff, o que poderia perfeitamente ser definido como rebolation, para elidir o intervalo entre o mensalão e a sucessão.
Este faz de conta democrático preencheu o vazio de ideias políticas à altura das necessidades, mas não autoriza otimismo segundo o qual é página virada o apelo ao retrocesso democrático, em nome da necessidade de evitar riscos inerentes à democracia. Do lado oficial, sem obras para mostrar, a candidatura de uma figura feminina de forno e fogão na sucessão contribuiu para conter os petistas e o petismo. O saldo social dos dois mandatos transcorridos tem mais peso histórico do que político. Lula demonstrou ser perfeitamente possível reduzir a desigualdade social sem colidir com a democracia. O resto de dois mandatos foi, em boa parte, zelar pela herança da social-democracia que precedeu o petismo e ainda sobra para quem chegar lá. Comentar
Enviado por: Mauro Santayana
Por Villas-Bôas Corrêa
Pelo noticiário das redes de televisão e pelos jornais procurei saciar a curiosidade sobre o primeiro debate dos três principais candidatos ou pré-candidatos à sucessão do insubstituível presidente Lula, o líder mais popular do mundo, promovido pela Associação Mineira dos Municípios, em Belo Horizonte, e que reuniu Dilma Rousseff, do PT, José Serra, do PSDB, e Marina Silva, do Partido Verde (PV).Li e reli os principais tópicos assinalados na primeira leitura. E, com a mais absoluta franqueza, curti ao longo do dia a frustração que mistura a superficialidade do falatório da trinca, com ressalvas quanto à candidata do PV. E o tom que procurou ser natural e descontraído da parlapatice do candidato da oposição, José Serra (PMDB), com o riso forçado para passar a impressão da cordialidade, quando o que o eleitor reclama são propostas polêmicas que definam a linha política de cada um. Marina Silva criticou as concessões que os partidos de Dilma e de José Serra fizeram quando assumiram o poder. As carapuças enterram na cabeça de Fernando Henrique Cardoso, o criador da praga da reeleição que acanalhou as campanhas para os três níveis de executivo - presidente, governadores e prefeitos - e na do PT de Lula. Marina reconheceu o erro do PT, quando era filiada ao partido: “Nós tentamos governar sozinhos, sem conversar com o PSDB, e acabamos reféns do que havia de pior no PMDB”. Pouco mais se aproveita do bate-papo inaugural da série de debates na fase decisiva da campanha, transmitidos ao vivo pela televisão e comentados em largos espaços nos jornais e revistas. Desembaraçado da seriedade de governador de São Paulo, o candidato José Serra estava com a corda toda. Surpreendeu as duas candidatas com o pré-convite patusco: “Se depois da campanha eu for eleito (e ninguém é eleito antes da campanha), vou querer – e pode parecer uma heresia – tanto o PT quanto o PV no governo. Com base no programa Nada de relação pessoal”. É apenas uma galanteria do candidato que, se levada a sério, extinguiria a oposição.A cantilena do trio não destoa das queixas de candidatos à reeleição, que atribuem à má vontade da imprensa o desinteresse do eleitor pela pré-campanha, que pode levar a um número desqualificante de votos nulos ou em branco. Pois, melhor nem de encomenda. Na noite de quarta-feira, dia 5, não exagero afirmar que tive a honra de dividir com o escritor e comentarista político Merval Pereira, de O Globo, duas horas de palestra na Casa do Saber, a primeira de uma série de debates com o público.Como são centenas as testemunhas, não receio desmentido. Em várias salas, outros temas atraíram os interessados. Mas a notícia do debate político encheu o salão. Assistência de todas as idades, muitos com cadernos para anotações, por duas horas e quebrados, com intervalo de dez minutos para esticar a perna e outras serventias, não arredou pé. Não saiu ninguém, tocado pela pressa ou o cansaço. E o debate aberto para perguntas garantiu o sucesso. Modéstia à parte, meio a meio com o Merval, fomos aplaudidos de pé por alguns minutos.E é simples a chave que abre o cofre arrombado do segredo. Nós estávamos ali para o depoimento franco. E a crítica direta e a análise sem meias palavras do pior Congresso de todos os tempos, o mais enlameado em escândalos. Na defesa da porta trancada da saída, que começa pela reforma política, com a Constituinte ou mesmo com emendas constitucionais que acabem com a orgia da roubalheira milionária da capital, que é a mais bela do mundo e que vem sendo pilhada por governadores de opereta, Assembleia Legislativa, o Roriz que favelizou a capital inaugurada antes de estar pronta e vem sendo saqueada por governadores que distribuem pacotes de notas aos cupinchas. E pelo Congresso das mordomias, vantagens, passagens aéreas para o fim de semana no feudo eleitoral.Esses são os temas que o eleitor quer que os candidatos discutam. Batendo no peito as pancadas do arrependimento. É só esperar para conferir. O que tem faltado ao nosso tempo é o respeito ao lugar-comum. Quando tentamos fugir do pensamento singelo, quase sempre caímos em esparrelas, algumas risíveis, outras, trágicas. Um dos lugares-comuns da história do homem é o de que ele só se libertou de sua condição animal com a palavra. A palavra foi o resultado de uma conjunção favorável da anatomia e da fisiologia dos primatas superiores com a necessidade de sua sobrevivência. O homem é homem porque se comunica, revela-se ao outro. Para que continuasse a crescer, foi preciso que inventasse a escrita, registrável em suportes duradouros, como as pedras, o papiro, o pergaminho – e o papel. Verba volant, scripta manent. É inconcebível – e voltamos a outro lugar-comum – que se arrolhem as gargantas, que se costurem os lábios, que se amordacem os homens. Se é inconcebível que assim se faça, igualmente inconcebível é que se atem os dedos e as mãos, a fim de impedir que se escreva.Cada um de nós tem o direito de escrever o que pensa e divulgar o que escreve, como assegura a Constituição, na definitiva interpretação do STF. Não podemos admitir que se impeça a difusão do que se escreve. Assim chegamos às ameaças constantes à liberdade de imprensa. A discussão pode parecer anacrônica, quando a irrupção da internet, como meio instantâneo de comunicações, permite a qualquer um dizer o que pensa. Pela internet podemos reproduzir os belos sonetos de Shakespeare, mas, da mesma forma, propagar nefandas ofensas.As empresas brasileiras de comunicação, de acordo com o que se informa, pretendem criar sistema autorregulador que discipline a atividade. Por mais generosa seja a ideia, ela em pouco difere de outra, nascida do corporativismo sindical, de se criar um Conselho Nacional de Jornalistas, que a consciência de muitos jornalistas e dos cidadãos repudiou. As empresas de comunicação, ao conceber o órgão autorregulador, nos ameaçam com a consolidação do pensamento único, de que a sociedade está sendo vítima, a partir da predominância dos interesses econômicos sobre os direitos sociais – enfim, do mal chamado neoliberalismo. A História é uma construção dos rebeldes, dos inconformados, dos hereges e dos subversivos de cada tempo. Assim, o primeiro cuidado dos totalitarismos é tentar algemar as ideias. Mediante a censura, eles conseguem – por algum tempo, mas nunca para sempre – esconder seus crimes, dissimular a tirania, converter ditadores em sujeitos comuns, como ocorreu no Brasil durante o governo Médici, no qual o general de plantão se tornou simpático torcedor de futebol. Há totalitarismos escancarados e totalitarismos manhosos. Os escancarados, além da censura direta dos meios de comunicação, valem-se da violência do Estado, cujos poderes usurpam, para a eliminação dos inimigos – ou seja, dos que lutam pela liberdade e pela dignidade dos seres humanos. Os manhosos torcem a semântica, e a liberdade essencial de ser passa a ser entendida apenas como a liberdade de ter. O princípio fundamental da democracia é a isonomia: cada cidadão tem o mesmo valor e o mesmo direito na sociedade política, seja rico ou pobre, intelectual ou artesão. Os ricos, no entanto, sempre foram ocupantes privilegiados do poder. A única forma de se lhes oferecer resistência é a liberdade de expressão, de que a autonomia dos jornalistas é o natural prolongamento.Os que, usando dessa liberdade, cometam crimes de calúnia, infâmia e injúria, que sejam punidos de acordo com o Código Penal, como qualquer cidadão comum. O jornalismo não pode ser o escudo dos canalhas, mas sim o instrumento para a promoção da justiça.A liberdade de imprensa já vem sendo ameaçada pela concentração, em poucas organizações, da propriedade dos veículos. A esse perigo se acrescenta agora a generalização da autocensura, com a criação do órgão “autorregulador”: uma arbitrariedade contra os jornalistas dignos de seu ofício e o direito dos cidadãos à informação e à opinião. Cabe a cada jornal estabelecer sua linha editorial, mas não é bom para a sociedade que ela seja comum a todos os veículos, como parece ser a intenção de alguns. Só na pluralidade e na controvérsia podemos encontrar a verdade possível.
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