segunda-feira, maio 06, 2013

Pobre Eike Batista


JOSÉ FUCS
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CAINDO REAL O sonho de Eike –  tornar-se o homem mais rico do mundo – ficou mais difícil de realizar (Foto: Patrick Fallon/Bloomberg via Getty Images)


























No livro O X da questão, uma autobiografia escrita com o jornalista Roberto D’Avila e lançada em 2011, o empresário Eike Batista narra a própria trajetória no mundo dos negócios e dá sua receita para o sucesso. Eike era, então, o homem mais rico do Brasil e o oitavo do mundo, com uma fortuna pessoal estimada em US$ 30 bilhões (cerca de R$ 60 bilhões ao câmbio atual). No livro, Eike exalta a própria capacidade de transformar projetos em ouro e sua facilidade para captar bilhões no mercado financeiro. Fracassos anteriores, como uma fábrica de jipes e uma empresa de encomendas expressas que ele tentara montar, entram na história apenas para reforçar o êxito que viria depois. “Uma convicção se forjou em mim desde muito cedo: você cresce com as dificuldades. Ou ‘estresses’, como prefiro chamar”, diz Eike. “O estresse separa os homens dos meninos, os verdadeiros empreendedores dos que jamais montariam um negócio por sua própria conta e risco.”
tombo dolorido (Foto: reprodução/Revista ÉPOCA)
Eike não dá sinal, em nenhum momento do texto, de que estava prestes a viver o maior estresse de sua vida empresarial. Nas autobiografias precoces, o capítulo seguinte acaba escrito pela vida real – e, no caso de Eike, não seria o mais brilhante da história. Pouco depois de lançar o livro, as coisas começaram a desandar, no maior teste para sua capacidade de crescer na adversidade. Seu império bilionário, erguido velozmente em sete anos, começou a desmoronar em ritmo ainda mais rápido.

O estouro da “bolha Eike” transformou-se em tema de conversas entusiasmadas em Brasília, Londres e Nova York, nos bancos e na Bolsa de Valores, nos jornais e nas mesas de bar. Ele formou um dos maiores grupos empresariais do Brasil, com projetos bilionários em áreas-chaves da economia, como petróleo, energia, logística, construção naval e portos. No total, estima-se que eles já tenham consumido mais de R$ 50 bilhões, entre recursos captados na Bolsa e empréstimos feitos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), por bancos comerciais, estatais e privados. “Apesar das dificuldades vividas pelo grupo, é prematuro dizer que ele quebrará”, afirma o presidente de um grande banco do país. Desde já, porém, pode-se dizer que o Eike que sobreviverá deverá ser uma fração daquele que parecia ter conquistado o Everest dos negócios. “Eike nunca mais voltará ao patamar em que estava”, diz Luiz Cezar Fernandes, sócio da Gradual Investimentos, de São Paulo, e fundador do antigo banco Pactual, que deu origem ao BTG Pactual.


As dificuldades de Eike têm repercutido negativamente no exterior, onde muitos investidores haviam apostado em seu sucesso comprando papéis emitidos pelas empresas do grupo. Os principais veículos de economia e negócios, que antes exaltavam Eike, noticiaram em reportagens recentes os problemas que ele enfrenta. No final de março, o Wall Street Journal publicou um artigo com o título “Para Eike Batista, a realidade chegou”. No início de abril, uma reportagem da revista Forbes dizia que “Eike Batista está se tornando rapidamente o pobre menino rico do Brasil”. “Outro dia, durante uma viagem de negócios ao exterior, encontrei um grande investidor estrangeiro com muito caixa para aplicar, sempre em busca de oportunidades no Brasil”, diz um gestor brasileiro de fundos de risco. “Ele investiu um bom dinheiro nos negócios do Eike e estava louco da vida. Quando perguntei se ele continuaria a investir no Brasil, ele disse: ‘Me arruma um brasileiro sério, em quem eu possa confiar, que eu invisto agora’.”

Em 2012, Eike foi, disparado, o maior perdedor no ranking dos maiores bilionários globais. Passou de 7º para 100º lugar na lista da revista americana Forbes. Em um ano, sua fortuna pessoal diminuiu em dois terços. Passou de US$ 30 bilhões para US$ 10,6 bilhões – uma perda equivalente a US$ 53 milhões por dia ou US$ 2,2 milhões por hora. Trata-se de um golpe duro para quem costumava alardear, em tom de chacota, que não sabia se ultrapassaria o mexicano Carlos Slim, primeiro colocado na lista, “pela esquerda ou pela direita”. As principais empresas do grupo EBX, que Eike controla, fecharam 2012 no vermelho. (Todas as empresas de Eike têm, na sigla do nome, a letra X, o símbolo da multiplicação.) O prejuízo total ficou em R$ 2,5 bilhões. Só a OGX, do setor de petróleo, perdeu R$ 1,1 bilhão. Na BM&F Bovespa, o valor de mercado dos maiores empreendimentos de Eike caiu, de R$ 54,7 bilhões, na data de lançamento das ações, para R$ 16 bilhões, na última sexta-feira, 26 de abril. 
As razões da queda
O que, afinal, aconteceu? Como um dos mais promissores e ousados empreendedores brasileiros, alguém capaz de encantar Wall Street, passou, de uma hora para outra, a depender da ajuda do governo para não quebrar? Para entender as razões da queda de Eike, é preciso penetrar nos detalhes da complexa estrutura empresarial que ele construiu em torno da letra X. Como na Xanadu do imperador mongol Kublai Khan, descrita pelo poeta romântico Samuel Coleridge, o castelo de Eike foi projetado em torno de jardins de fertilidade, de onde o mel verteria como gotas de orvalho e seria possível tomar o leite do Paraíso. Suas árvores eram identificadas pelas siglas OGX, OSX, LLX, MMX, MPX e CCX. No centro, a petrolífera OGX, anunciada como uma nova Petrobras. Como na Xanadu descrita por Coleridge, porém, o castelo de Eike foi erguido no ar.

A maior falha de Eike foi não entregar o que prometera em seus projetos, em especial no caso da OGX. Ela chegou a representar três quartos do grupo em valor de mercado, em 2011. Hoje, representa um terço. Dos 30 blocos exploratórios de petróleo que a OGX detém, só três estão em funcionamento e, mesmo assim, com produção limitada. A promessa era, já em 2011, extrair por dia 20 mil barris de petróleo, com apenas um poço em operação. Em março passado, a OGX produziu 15.100 barris por dia nos três poços que opera – 25% abaixo da meta. Não há, de acordo com os analistas, perspectiva de aumento até 2014. A própria empresa informa que seriam necessários 70 mil barris por dia para o balanço sair do vermelho. “Companhia de petróleo não é para qualquer executivo chegar lá e fazer”, afirmou na semana passada a presidente da Petrobras, Maria das Graças Foster, durante palestra na Fundação Getulio Vargas (FGV), em São Paulo, em um recado velado a Eike.

NO AUGE Lançamento de ações da petrolífera OGX na BM&F Bovespa, em junho de 2008. O momento favorável do mercado facilitou o maior lançamento de ações da história da Bolsa (Foto: Michel Filho/Ag. O Globo)
De acordo com um ex-executivo do grupo X, Eike deveria ter se concentrado no aumento da produção dos primeiros poços. Em vez disso, gastou a maior parte do dinheiro captado de bancos e investidores para furar novos poços. O objetivo era passar ao mercado a percepção de que encontrara mais petróleo e, assim, captar mais recursos para financiar sua expansão.

A produção em marcha lenta afetou as demais árvores plantadas, em torno da OGX, no Xanadu de Eike. A missão da OSX, um estaleiro, seria fornecer navios para transportar o petróleo da OGX – ou, nas palavras de Eike, seria uma “Embraer dos mares”. Em menor escala, o desempenho da OGX afetou também a LLX, uma empresa de logística responsável pela construção do Porto de Açu, no Rio de Janeiro, criado para atender principalmente os petroleiros da OSX. Contaminou até as outras três companhias de Eike com ações negociadas na Bolsa – a MMX, do setor de mineração, criada para ser uma “mini-Vale”, a MPX, de energia, e a CCX, cujo principal ativo é uma mina de carvão na Colômbia.

Como um bom vendedor, Eike embalou bem os projetos que apresentou aos investidores, com a promessa de gerar resultados em prazos relativamente curtos. A certa altura, começou a ficar claro que ele não cumpriria suas metas. Com isso, a credibilidade de Eike, conquistada em negócios anteriores na área de mineração ficou seriamente arranhada. Como costuma dizer o próprio Eike, “o capital é covarde”. Subitamente, as portas se fecharam para ele. A bicicleta, impulsionada pelo dinheiro farto dos bancos e do mercado de capitais, parou de girar. O caixa para tocar os projetos e honrar as dívidas de suas empresas, sem o ingresso das receitas planejadas, ficou curto. “Eike foi tão bom vendedor de seus projetos e sonhos que ele mesmo acreditou na fantasia”, diz o economista Rodrigo Constantino. “A sensação é que ele juntou o egocentrismo e a megalomania evidentes e surtou. Ficou tão grande que se achou invencível.”

De repente, o que antes era “vendido” por Eike como virtude quando as coisas iam bem – a interdependência dos projetos da OGX, OSX e LLX –, passou a trabalhar contra quando as coisas começaram a ir mal. Eike sabia tudo de mineração – um fato reconhecido pelo mercado –, mas quase nada de petróleo e gás quando decidiu investir no setor. Projetos que encantaram os investidores tinham problemas. O grupo nega, mas empresários que atuam no setor de infraestrutura afirmam que a construção do Porto de Açu foi iniciada sem os estudos geológicos necessários. Segundo eles, isso obrigou a LLX, responsável pelo empreendimento, a instalar estacas mais profundas do que se previa inicialmente, em razão do terreno arenoso, quase um mangue. Isso aumentou os custos. Empresários de mineração afirmam também que o minério de ferro da MMX tem baixa qualidade e exige muita água para ser limpo – informação também contestada pelo grupo de Eike. Resultado: mais custos de produção.

Como se não bastassem as árvores de seus projetos bilionários na área de infraestrutura, Eike plantou também diversas outras plantas e arbustos em seu Xanadu. Está envolvido na exploração de ouro, por meio da AUX, e na produção de chips, por meio da SIX Semicondutores, cuja fábrica fica em Ribeirão das Neves, Minas Gerais. É dono de um restaurante de comida chinesa e do Hotel Glória, no Rio, em reforma. Tornou-se sócio do empresário Rubem Medina no Rock in Rio, por meio de sua empresa de entretenimento, a IMX. Criou até o próprio time de vôlei, o RJX, com jogadores de seleção brasileira, como Bruninho e Dante. Agora, quer assumir a gestão do Maracanã, que deverá reabrir oficialmente para o público em junho, com um amistoso entre Brasil e Inglaterra, pouco antes da Copa das Confederações. Pretende, ainda, implementar um projeto urbanístico que inclui um prédio na Marina da Glória, um dos principais cartões-postais cariocas. “Eike abriu demais o leque”, afirma um banqueiro com experiência na reestruturação de empresas. “Se ele tivesse escutado o pai (o ex-presidente da Vale Eliezer Batista), teria feito metade dos investimentos que fez. Agora, está pagando o preço da ousadia.”

Uma intensa rotatividade de executivos, pouco usual em empresas de grande porte, ampliou as dúvidas sobre a habilidade de Eike para tocar os negócios e manter os talentos necessários a seu desenvolvimento. Desde 2010, Eike trocou em suas empresas nada menos que 31 altos executivos, entre eles nove presidentes. Seduzidos pelas promessas de bônus generosos, boa parte em ações, muitos saíram quando Eike os convidou a aplicar parte do que haviam recebido nas próprias empresas, cujos papéis estavam em queda, após a quebra do banco americano Lehman Brothers, em 2008.

A queda (Foto: reprodução/Revista ÉPOCA)
A maior e mais conflituosa perda de Eike naquele período foi o engenheiro Rodolfo Landim. Ele fora trabalhar com Eike em maio de 2006 como seu braço direito. Saiu em abril de 2010, por não ter concordado em diminuir seus bônus e ceder parte das ações que recebera para capitalizar os negócios de Eike. Ex-funcionário de carreira da Petrobras com respeitável conhecimento técnico do setor, Landim galgara os degraus mais altos na estatal, como presidente da BR Distribuidora e da Gaspetro. Com Eike, liderou as operações bem-sucedidas de lançamento das ações de cinco empresas do grupo X na Bolsa – MMX, MPX, LLX, OGX e OSX. Pelas contas de Landim, a MMX, a primeira a abrir o capital, valia R$ 600 milhões quando ele chegou. Quatro anos depois, quando saiu, o grupo se multiplicara e se diversificara. Valia R$ 82,4 bilhões. No período em que esteve com Eike, Landim acumulou um patrimônio pessoal estimado em R$ 200 milhões, entre salários, bonificações e ações, algo como R$ 50 milhões ao ano.

Hoje, dono de sua própria petrolífera, a Ouro Preto Petróleo e Gás, e sócio da Mare Investimentos, uma empresa de gestão de recursos, Landim disputa com Eike uma ação na Justiça que poderá torná-lo quase R$ 500 milhões mais rico. Ele cobra uma participação de 1% na holding pessoal de Eike, a Centennial Asset Mining Fund, com sede no Estado americano de Nevada, que controla grande parte de suas ações nas empresas do grupo X. Segundo Landim, essa participação lhe fora prometida num bilhete escrito por Eike numa viagem de avião de Londres para o Rio de Janeiro, em dezembro de 2006. A Justiça entendeu, porém, que o manuscrito não tinha valor jurídico e rejeitou o pedido de Landim em segunda instância. Seu advogado, Sergio Tostes, entrou com um embargo declaratório no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, para questionar se Eike não violou o “princípio da boa-fé”, ao alegar que o bilhete não tem valor jurídico, apesar de reconhecer que ele o escreveu e o assinou. A decisão final da corte ainda está pendente.

No começo de 2013, depois de 50 dias trabalhando como vice-presidente da EBX, a holding do grupo, Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira, presidente da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), pediu demissão. De acordo com quem convive ou conviveu com ele, Eike escuta bem menos as opiniões de seu pessoal do que diz em seu livro. “O Eike é um cara complicado”, diz Landim. “Ele gosta que as pessoas o elogiem o tempo todo.”

As relações com o governo
Eike tem boas relações em várias esferas do governo e com políticos – do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao governador do Rio, Sérgio Cabral. Foi um dos principais doadores de recursos para as campanhas eleitorais de ambos e também da presidente Dilma Rousseff. Eike também doou R$ 1 milhão para o filme Lula, o filho do Brasil, lançado em 2009. Em janeiro, a bordo do jatinho de Eike, Lula o acompanhou numa visita ao Porto de Açu. 

Conseguiu uma audiência com Dilma para conversar sobre a crise de seus negócios. “Eike Batista não é diferente de nenhum outro empresário”, afirmou o ministro da Fazenda, Guido Mantega.

ÉPOCA revelou dias atrás a operação hospital que era articulada em Brasília para ajudar Eike a sanar os problemas do Porto de Açu. O empreendimento ainda não atraiu investimento suficiente para torná-lo sustentável sem os embarques de petróleo da OGX previstos no projeto. A pedido de Lula, o ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, acionou o embaixador brasileiro em Cingapura, Luís Fernando Serra. Ele atuou como intermediário para tentar convencer a empresa SembCorp Marine a transferir o estaleiro Jurong Aracruz do Espírito Santo para o Porto de Açu. Com a divulgação do lobby de Eike, a operação foi abortada.


A Petrobras é candidata a tomar parte no socorro ao grupo X. A estatal nunca manifestara interesse em se instalar em Açu, mas informou que poderá usar o porto de Eike como base de petroleiros. Também poderá encomendar navios e plataformas à OSX, que tem capacidade ociosa. Talvez até adiante algum dinheiro para a empresa de Eike, antes mesmo de receber as encomendas. “É um negócio, não se trata de ajuda”, afirmou Graça Foster, da Petrobras, ao comentar as negociações com o grupo X. “Como o Eike se dimensionou para uma OGX muito maior, ele agora tem braços especializados e equipamentos, mas não tem óleo, enquanto a Petrobras tem óleo, mas não tem equipamentos suficientes para fazer a extração”, diz um banqueiro familiarizado com as negociações. “Deve haver um ponto de intersecção construtivo para as duas companhias.”

Tudo ao mesmo tempo (Foto: Custódio Coimbra, Paulo Nicolella/Parceiro/Ag. O Globo, Buda Mendes/LatinContent/Getty Images (3) e Pedro Teixeira/Parceiro/Ag. O Globo)
Também se discute no governo o leilão de um trecho que ligará o Porto de Açu à malha ferroviária nacional. O BNDES, que irrigou generosamente as empresas do grupo X, poderá conceder novos créditos ou até comprar mais ações – hoje, o banco já detém participações relevantes em duas, CCX e MPX, de 11,72% e 10,34%, respectivamente. Na semana passada, o BNDES anunciou um crédito suplementar de quase R$ 1 bilhão para a mineradora MMX. Nascido para operar por conta própria, longe dos úberes generosos do Estado, o grupo de Eike poderá se tornar cada vez mais dependente das benesses oficiais.

A operação salvamento de Eike também tem outros atores. No início de março, uma parceria foi fechada com o BTG Pactual, do banqueiro André Esteves, para reestruturar o grupo X. Apoiada pelos principais credores, ela incluiu uma linha de crédito adicional de R$ 1,3 bilhão, além dos cerca de R$ 300 milhões que o BTG já emprestara a Eike. Como Eike, Esteves cultiva boas relações em Brasília, e seu apoio poderá ajudar o grupo X a receber dinheiro do governo. O retrospecto de Esteves no mercado financeiro sugere que dificilmente ele se envolveria com os negócios de Eike se não acreditasse que é possível salvá-los e lucrar com isso. ÉPOCA apurou que, se tiver sucesso, sua remuneração deverá ser calculada com base na valorização dos papéis de Eike na Bolsa, tendo como base o dia do fechamento da parceria, em 6 de março. Até agora, a reação dos investidores não correspondeu às expectativas. Os preços das ações da OGX caíram cerca de 40% desde então. Em 2014, se a empresa aumentar a produção de petróleo, é possível que haja um salto nas cotações.

O impacto da crise
Numa reviravolta inimaginável até pouco tempo atrás, Eike é hoje lembrado mais por suas dívidas que por sua fortuna, mais pelas dificuldades de seus negócios que por suas conquistas. Só o BNDES emprestou R$ 10 bilhões ao grupo, incluindo o crédito à MMX em abril. Desse total, estima-se que Eike ainda esteja devendo R$ 5,5 bilhões ao BNDES. Como boa parte dos empréstimos foi repassada às empresas do grupo por bancos comerciais, são eles que assumem o risco das operações, e não o BNDES, diz um dos credores. A exposição direta do BNDES ao grupo X é, segundo ele, inferior a R$ 500 milhões – R$ 109 milhões, de acordo com Eike.

No total, incluindo os repasses do BNDES, os bancos comerciais têm cerca de R$ 16 bilhões emprestados às empresas de Eike. Perto de R$ 3 bilhões foram concedidos à EBX, holding do grupo, pelo Itaú Unibanco e pelo Bradesco, os maiores credores, a maior parte com garantia em ações das empresas. Nos últimos meses, a desvalorização dos papéis gerou desconforto nos dois bancos, especialmente no Itaú, que passou a cobrar novas garantias e ameaçou não renovar os empréstimos. No final, o problema parece ter sido resolvido, ao menos temporariamente.

Ainda é preciso incluir na conta cerca de US$ 3,6 bilhões (R$ 7,2 bilhões) em papéis emitidos pela petrolífera OGX no exterior e vendidos a investidores privados. Somando todas as dívidas do grupo, o total gira em torno de R$ 25 bilhões, além dos cerca de R$ 27 bilhões captados no mercado acionário. A Moody’s, uma das maiores empresas internacionais de classificação de risco, anunciou em abril o rebaixamento da avaliação da OGX e deixou aberta a possibilidade de fazer novo rebaixamento no futuro. Curiosamente, a desvalorização dos papéis até agora foi menor que a das ações da empresa.

Para tentar contornar essa situação dramática, o BTG sabe que é preciso, antes de tudo, resgatar a confiança dos investidores. Na visão do banco, MMX, MPX e CCX, além da AUX, a mineradora de ouro, de capital fechado, são projetos que funcionam de forma relativamente independente. A LLX também é um caso visto como menos problemático que OGX e OSX, pois é um projeto que pode ser implementado em fases, de acordo com a demanda e a disponibilidade de caixa. “O grande problema são as empresas que começam com O”, diz um executivo envolvido na parceria. São aquelas que dependem de óleo. 

Uma equipe de sócios e executivos do BTG está mergulhada no grupo X, para fazer uma avaliação de cada negócio e adequar a gestão a novas metas. Como o grupo X precisa gerar caixa rápido, está em andamento uma renegociação das dívidas. Poderá haver redução do ritmo ou até a paralisação de projetos. A venda de participações e de ativos também deverá reforçar o caixa. No final de março, foi anunciada a venda de metade da participação de Eike na MPX para a E-On, maior empresa de energia da Alemanha, por R$ 1,4 bilhão. Agora, há rumores de que o BTG está negociando a venda de uma fatia da OGX, o epicentro da crise, para a Lukoil, segunda maior petrolífera da Rússia, ou para a Petronas, a estatal de petróleo da Malásia.

No final, a participação de 60% a 70% que Eike detém no capital das empresas do grupo X deverá diminuir para 20% ou 30%, como no caso da MPX. As empresas precisam de sócios que entrem com dinheiro para ajudar a levar os projetos adiante. Eike, em vez de se envolver no dia a dia, deverá continuar no Conselho de Administração das empresas. Só coletará dividendos se – e quando – as empresas derem lucro.

Diante de seu perfil arrojado, muita gente vê Eike como arrogante e parece torcer para vê-lo beijar a lona. Num país carente de empreendedores capazes de correr riscos e ter sucesso graças a seu arrojo e tino empresarial, que possam servir de exemplo não apenas para os mais jovens, mas para toda a sociedade, seria uma derrota ver alguém como ele acabar dependendo de favores do governo para sobreviver. Qualquer que seja seu futuro, porém, seu caso trará lições para as novas gerações. Se conseguir se recuperar, ele poderá se tornar um exemplo de como é possível aprender na adversidade e reerguer um império abalado. Ou – caso ele perca, seja obrigado a recorrer ao governo ou a se desfazer de suas empresas – de como o pior inimigo de um homem de negócios pode ser a confiança em si mesmo. Em ambos os cenários, uma coisa sua história já deixou clara: os castelos erguidos no ar e os jardins de Xanadu só existem nos sonhos e nos versos românticos. 

Inferno astral (Foto: reprodução/Revista ÉPOCA)

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