segunda-feira, setembro 24, 2012

Entrevista // João Rebouças - presidente do Tribunal Regional Eleitoral ao Diário de Natal


A campanha eleitoral concentrada no rádio e na televisão contribuiu para afastar os eleitores dos palanques montados nas ruas. Antes, as campanhas se concentravam em ruas e praças públicas, quando os candidatos conseguiam reunir multidões para ouvir as propostas dos grandes líderes políticos. Hoje, a força está concentrada no palanque eletrônico, o que contribuiu para a diminuição da violência durante o período eleitoral. Segundo o presidente do Tribunal Regional Eleitoral, desembargador João Rebouças, "aquelas grandes virgílias, grandes palanques e comícios, pouco existem mais. Às vezes em Natal se tem a impressão de que não há eleição. A mídia, a própria internet, as redes sociais viraram um local de interação muito grande entre os eleitores". Na entrevista exclusiva que concedeu a O Poti/Diário de Natal, na última sexta-feira pela manhã, em seu gabinete no TRE, no centro da cidade, João Rebouças disse que, por força da Lei da Ficha Lima, os partidos tiveram a preocupação de filtrar seus candidatos. "Deixaram de enviar nomes para a justiça de pessoas que poderiam ser impugnadas. Fez uma peneira, não vou dizer nem que foi tão fina. Mas aqui nós fizemos a última peneira", disse Rebouças. O desembargador defende a Lei da Ficha Limpa mas acha que deveria ser mais exigente. Por exemplo, diz ele: "A Lei [da Ficha Limpa] deveria ser mais objetiva. Se as contas daquele candidato que foi gestor forem consideradas irregulares, ele não poderia ser candidato, independentemente de recursos ou qualquer outro meio processual." Segundo Rebouças, "as pessoas fazem da presunção da inocência um cavalo de batalha. É uma via crucis pesada da justiça. Tem que mudar a legislação". O repórter perguntou o que o cidadão João Rebouças apontaria como principais problemas de Natal. Sua resposta: "Natal precisa de uma administração mais competente. Acho que Natal é uma cidade bonita, Deus foi generoso com os natalenses. Espero que o futuro administrador aproveite isso, e transfira isso para o povo de Natal. Dar mais ênfase ao turismo, sinalizar bem a cidade, pensar na mobilidade e no trânsito. Criar outras vias de acesso para as Zonas Norte e Sul, melhorar os serviços de saúde e educação. As pessoas precisam disso".

Como estão os preparativos nessa reta final da eleição?

Estamos sendo intimados a fazer os últimos ajustes, mas quando eu assumi [o TRE], a eleição já estava praticamente posta e definida. Já nos reunimos com os órgãos de segurança e na segunda-feira, 24, teremos a reunião final com os juízes. Os atos preparativos e preventivos já estão todos quase concluídos.

Nessa fase de preparação, qual a maior dificuldade para desenvolver o trabalho aqui no TRE?

Nós tivemos algumas dificuldades com relação ao carregamento de urnas. Ou seja, colocar nome, número e retrato do candidato. Isso ocorreu em face do grande número de recursos de registro de candidaturas em virtude da Lei da Ficha Limpa. Esta foi a primeira eleição em que os candidatos se submeteram a essas novas regras. Candidatos que estavam cassados pelo TRE, às vezes pelo juiz eleitoral, tiveram mantido o indeferimento do registro de candidatura, e a informática tem um prazo para colocar esse carregamento na urna. Ainda havia processos pendentes. Isso extrapolou as expectativas. 

Quantos candidatos estão sub judice e deixam de compor a chapa oficial do TRE? 

A prefeito foram 22 candidatos, e 59 candidatos a vereador. Esses foram atingidos por algumas cláusulas de inelegibilidade. Alguns casos pelo juiz de primeiro grau e outros seguiram para a Corte [TRE]. Mas ainda há grande número de recursos no TSE [Tribunal Superior Eleitoral] aguardando definição. Nós, aqui na Corte, tínhamos tomado uma posição, por solicitação da Procuradoria Regional Eleitoral, de que os candidatos cassados não poderiam participar de movimentação política. Nossa preocupação era que o candidato desistisse da campanha na véspera da eleição, o que não haveria tempo de retirá-lo das urnas eleitorais. As urnas do interior já foram carregadas, lacradas e estão sendo distribuídas. As únicas que estão aqui são as de Natal e Grande Natal. As últimas serão enviadas até o final de semana.

O senhor achaque a aplicação da Lei da Ficha Limpa foi o grande diferencial da organização da eleição deste ano?

Também e principalmente com relação a esse trabalho de carregamento de urnas, por causa da pendência de julgamentos. No Brasil o número de recursos já passa de 14 mil processos. Esses candidatos estão sub judice. Há um problema, discutido internamente na informática. Para a informática, só há duas opções para cada registro: 'apto' ou 'inapto', e várias alternativas: 'apto com recurso', 'apto dependendo de recurso', entre outras. Essa decisão que o TRE tomou, de orientar os juízes das zonas para que os candidatos tidos como 'fichas sujas' não participassem da campanha, nem de comícios, foi contestada. O diretório regional do PMDB entrou com recurso em Brasília e conseguiu que os candidatos poderiam participar. O fundamento era a irreversibilidade do dano. Ou seja, se próximo ao pleito o processo fosse favorável a ele, não havia como recuperar o tempo perdido na campanha. 

Com a Ficha Limpa, o senhor percebeuse houve um afastamento de candidatos, digamos, 'não muito recomendados' para a campanha eleitoral?

Sim. Alguns partidos tiveram essa preocupação desde a convenção. Deixaram de enviar nomes para a justiça de pessoas que poderiam ser impugnadas. Fez uma peneira, não vou dizer nem que foi tão fina. Mas aqui nós fizemos a última peneira.

Porque em toda eleição há uma crítica pela morosidade da Justiça Eleitoral no julgamento dos processos?

Existe um calendário eleitoral. Todos os recursos de pedido de registro tinham até 23 de agosto para serem julgados. Todos os atos da eleição são pautados por esse calendário. Com relação ao julgamento aqui no Estado, se imaginou que haveria 100 recursos. Houve mais de 400. Fizemos todo o possível para julgá-los: votação de manhã e de tarde, votação na quarta-feira, que normalmente não tem. Algumas sessões terminaram após meia noite. Só que num julgamento, cada advogado tem 10 minutos para falar, o procurador também, é preciso dar chance de cada um falar. Mas conseguimos: aqui já foram julgados todos os recursos que estavam no tribunal. 

Por causa dessa morosidade, um candidato sub judice pode participar da campanha normalmente. Sendo eleito, toma posse e, um ano depois, o Tribunal pode julgar que ele é inelegível, sendo então cassado. Isso não é um prejuízo para o eleitor, para o processo eleitoral e para a sociedade? 

Sem dúvidas. Está se vislumbrando uma possibilidade cogitada pela Advocacia Geral da União. Em casos como esse o candidato teria movida uma ação para ele arcar com os custos da campanha. É uma forma de inibir. A eleição é cara, dispendiosa. Na eleição do Rio Grande do Norte a eleição custa R$ 3,46 para cada eleitor. Esse é o valor gasto pela Justiça Eleitoral. O orçamento ultrapassa os R$ 8 milhões. 

Como o senhor acha que poderia haver uma peneira ainda mais fina para evitar a quantidade de processos que entram na justiça?

Eu acho que os efeitos da decisão deveriam ser imediatos. Há uma discussão jurídica sobre o que disciplina a lei das eleições e a Lei da Ficha Limpa. O candidato que foi condenado em primeiro grau, com trânsito em julgado ou em segundo grau - é considerado inelegível. Ou o candidato que teve contas consideradas irregulares pelo Tribunal de Contas do Estado ou da União (TCU) também é inelegível. O que acontece é que existem muitos recursos, inclusive na justiça comum. Alguns obtêm liminares, mesmo que em alguns casos se comprove que eles foram mesmo considerados 'fichas sujas'. A Lei [da Ficha Limpa] deveria ser mais objetiva. Se as contas daquele candidato que foi gestor forem consideradas irregulares, ele não poderia ser candidato, independentemente de recursos ou qualquer outro meio processual. As pessoas fazem da presunção da inocência um cavalo de batalha. É uma via crucis pesada da justiça. Tem que mudar a legislação. O longo processo brasileiro tem que ter fim. Da forma como ele existe atualmente, ele é demorado. 

A quem interessa tantas chincanas jurídicas?

Isso é questão cultural. O Brasil é um país adolescente, tem pouco mais de 500 anos. Quando suas instituições ficarem mais amadurecidas essa realidade tenderá a mudar. A justiça, por exemplo, está se profissionalizando, com metas estabelecidas e uma cultura de gestão estratégica. Esperamos chegar em uma nova era para dar uma resposta mais rápida à sociedade. Mas para isso é preciso que a legislação processual seja mudada. 


Foto: Fábio Cortez/DN/D.A Press
Como o senhor analisa a campanha em termos de violência no Rio Grande do Norte?

Estamos bem, a eleição é tranquila. Só houve alguma ocorrência no diretório de um partido em Monte Alegre. Outros casos estão sendo apurados, como o atentado do jornalista em Caiçara [Roberto Guedes, em Caiçara do Rio do Vento ], outro caso de um rapaz que sofreu um acidente em cima de um paredão de som na cidade de Pau dos Ferros. Mas são casos ainda sendo investigados. Este ano orientamos os juízes a dividirem as cidades do interior em dois lados, para grandes movimentações marcadas no mesmo dia. A polícia ficaria numa avenida central, numa espécie de área neutra.

O senhor acha que essa tranquilidade se deve ao palanqueeletrônico? Hoje se faz menos campanha nas ruas e mais no rádio e na televisão.

Se formos observar as próprias pesquisas, a gente vê a importância da mídia na preferência do eleitor. Aquelas grandes virgílias, grandes palanques e comícios, pouco existem mais. Às vezes em Natal se tem a impressão de que não há eleição. A mídia, a própria internet, as redes sociais viraram um local de interação muito grande entre os eleitores. As movimentações políticas eram localizadas em alguns bairros e só o político falava, às vezes por mais de uma hora. Hoje o eleitor coloca também sua voz, e pode extrapolar as fronteiras de seu bairro, atingir a rede mundial. Acabou o monólogo das antigas passeatas. 

Mas o palanque eletrônico também encarece a campanha.

Sim. Hoje o candidato é um objeto de marketing. Não chega a ser um ator, mas ele se apresenta para a população no modelo adequado do jeito que a população almeja. Antes o candidato era mais cru. Hoje o político precisa ser um propositor. O eleitor vota na pessoa, e não mais no partido A ou B, ou na bandeira dessa ou daquela cor. 

O eleitor João Rebouças apontaria que problema é o mais grave hoje cidade de Natal?

Natal precisa de uma administração mais competente. Acho que Natal é uma cidade bonita, Deus foi generoso com os natalenses. Espero que o futuro administrador aproveite isso, e transfira isso para o povo de Natal. Dar mais ênfase ao turismo, sinalizar bem a cidade, pensar na mobilidade e no trânsito. Criar outras vias de acesso para as Zonas Norte e Zona Sul, melhorar os serviços de saúde e educação. As pessoas precisam disso.

Qual conselho o senhor dá ao eleitor no dia da votação?

Comparecer cedo ao local de votação que ele está vinculado, e que votar consciente. Não pensar individualmente, e sim no futuro e no melhor para a cidade. Votar com simplicidade. Votar e ir embora, ir pra casa do amigo ou para a praia. Sair o mais rápido possível do local de votação. O eleitor também deve ter essa consciência de que a prática de vender o voto é crime. A gente pede que o voto seja livre. 

A eleição do RN terá suporte de quantos militares?

Entre Exército, Polícia Militar, Polícia Civil, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal serão em torno de 5 mil homens. Será uma operação específica para as eleições. Esse pessoal está recebendo treinamento diferenciado, mas o policiamento normal das ruas está mantido.

A biometria será ampliada?

Este ano a biometria está presente em 14 municípios do Estado. Passada a eleição, vamos trabalhar para ampliar esse número, inclusive começando por Natal. Cadastrar o pessoal, envolver entidades, envolver escolas. Isso dá mais seriedade ao processo. Uma das fragilidades do processo é a possibilidade da troca de assinaturas no caderno de votação, apesar da vigilância dos mesários. Na eleição passada, aqui em Natal, um fiscal não prestou atenção e uma eleitora assinou no lugar diferente, com nome parecido que o dela. O comprovante de votação estava lá, mas houve tumulto no local de votação. Com a biometria isso não acontece, de uma pessoa perder odireito de votar porque outra pessoa utilizou o espaço para assinatura que era dela. A não ser que você leve o dedo do defunto [risos]. 

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