Por Portal Jornal de Hoje
A Câmara dos Deputados realizou na tarde de hoje, 6, em Brasília, sessão solene para a devolução simbólica dos mandatos dos deputados federais cassados pela ditadura de 1964. Foram 173 parlamentares punidos, sendo 144 já falecidos e 29 vivos. Do Rio Grande do Norte estão na lista dos homenageados três ex-deputados federais, todos pertencentes à Arena. Já falecidos, Aluízio Alves e Erivan França. O único potiguar vivo é o ex-deputado Ney Lopes, 67. Tendo sido vítima da Revolução de 64 aos 31 anos de idade, Ney falou com exclusividade ao Jornal de Hoje sobre a homenagem da Câmara Federal.
Ney recebeu convite para a solenidade em Brasília, com passagem aérea e hospedagem pagas, extensivo a sua esposa. Em que pese a “gentileza do presidente da Câmara, Marco Maia”, decidiu não estar presente, pela razão de que “nenhuma homenagem compensaria o sofrimento que passei. Até se devolvessem o mandato, não aceitaria. Voltei à Câmara depois da cassação, mas pelo voto popular”.
“A única homenagem que gostaria de receber – diz Ney – seria o Ministério da Justiça, o arquivo nacional, ou órgão competente do governo, informarem a razão da cassação do meu mandato de deputado federal em 1976; que crime cometi; quem pediu a minha cassação e por quais motivos. Fiz vários requerimentos nesse sentido e nenhuma resposta. Fui anistiado e recebi um “pedido formal” de desculpas do estado brasileiro. Jamais pretendi (nem pedirei) indenização em dinheiro. O vil metal não pagaria a injustiça sofrida. Ficaram seqüelas de enfermidades até em familiares, por força das profundas lesões e golpes baixos”.
Para superar a adversidade Ney afirma que fez como Paulo Vanzolin: “ali quando eu chorei, qualquer um chorava; dar a volta por cima que eu dei quero ver quem dava. Agi do meu jeito, como na canção (“My way”) de Sinatra”.
A seguir, na íntegra, a entrevista ao JH de Ney Lopes de Souza, ex-deputado federal, jornalista, procurador federal e professor de direito constitucional da UFRN.
O Jornalde Hoje – Por que o Sr. não aceitou o convite da Câmara?
Ney Lopes – Machado de Assis escreveu que “há coisas que melhor se dizem calando”. Eu diria, que a ausência é também uma forma de dizer algo nascido do fundo da alma. Jamais tive processo judicial ou extrajudicial instaurado, nem tão pouco libelo acusatório da própria Revolução de 64 (CGI), diligência, ou condenação do Tribunal de Contas do RN (as contas públicas foram aprovadas, referentes ao curto período de oito meses como diretor – jamais fui presidente- da COSERN); representação ou denúncia do Ministério Público; acusação do governo do RN, ou de quem quer que seja. Não posso dizer que fui absolvido, pelo fato de nunca ter respondido processo, inquérito, ou inquirição de qualquer natureza.
JH: Antes da cassação, o Sr. foi candidato?
NL: Em 1966 (com 21 anos) quase me elegi deputado no MDB, partido do qual fui fundador no RN. Faltou quociente eleitoral. Fiz uma campanha com a bandeira da democracia e da liberdade nas mãos. Defendia a candidatura (simbólica) de Ulysses Guimarães à Presidente. Durante e pós eleição, os grupos locais e tradicionais me acusaram de comunista. Fui chamado ao DOPS várias vezes.
JH: Por que o Sr. filiou-se a Arena, partido da Revolução?
NL:Após a cassação de Aluízio Alves, ele e o seu grupo saíram da Arena e assumiram o MDB. Não tive mais espaço. A legenda prioritária do MDB para deputado em 1970 seria de Henrique Alves, filho de Aluízio. À época tinha amizade pessoal com Cortez Pereira, que me convidou para o seu governo. Ainda hoje, opção política no RN decorre de circunstâncias. A pedido de Cortez, mesmo sem entusiasmo, filiei-me a Arena. Reconheço que cometi um pecado.
JH: Fazia restrições a partidos de esquerda?
NL:Ao contrário, sempre me considerei um revolucionário, a favor de mudanças sociais profundas, preservada a liberdade. Nunca fui marxista, nem conservador. A democracia liberal social que defendo é muito próxima dos esquerdistas, intelectualmente honestos.
JH: Afinal, qual o motivo da cassação do seu mandato?
NL:Isto é tudo que luto para saber há 36 anos. Quando iniciei a reconstrução da minha vida em 1976 procurei empréstimo para comprar uma casa e nela morar. O Banco exigia a hipoteca do imóvel. A CGI, órgão da Revolução, impediu a transação. Fui ao Rio de Janeiro, na Rua México, sede da CGI. Após ser recebido por um coronel disse-lhe que desejava comprar uma casa e hipotecá-la como garantia. Por isto indagava as razões da CGI impedir a hipoteca. Ele entrou no gabinete e ao sair disse: “é estranho. Aqui na CGI não há nada contra o senhor. Nenhum processo, nenhuma investigação”. Logo retruquei: “mas eu já fui cassado. Então o Sr. atesta isto em certidão?” Ele disse não e completou: “tudo é concentrado no comando revolucionário em Brasília”. Perguntei-lhe o endereço do comando, ele informou não saber, porque haviam muitos órgãos. Sai do prédio com lágrimas nos olhos. Não tinha a quem apelar. Na sede da CGI no RJ tive a certeza absoluta de que a cassação fora exclusivamente por motivação política local.
JH: O Sr. teria sido cassado preventivamente, para não se tornar no futuro um empecilho às lideranças tradicionais do RN?
NL: Não sei. Sinceramente nunca pensei em ser empecilho a ninguém. Realmente pensava em crescer na política, porém dentro do grupo partidário, no devido tempo. Sempre cultivei a coerência política.
JH: O Sr. guarda mágoas pelo sofrimento que teve?
NL: Não coloco mágoa em freezer de geladeira. Poderia ter desesperado, ao ser massacrado com 31 anos, casado, pai de três filhos de tenra idade, aposentado proporcionalmente com menos de um salário mínimo por mês (cargos públicos que cheguei por concurso) e dívidas de campanha. Deus mostrou-me como superar. Fui morar na casa do meu sogro e lutar como advogado. Criei a família e terminei vitorioso.
JH: Por que se filiou ao PFL (hoje DEM), na volta à política?
NL: Por influência do então governador José Agripino, meu colega de colégio Marista e de Marco Maciel, com quem firmara uma amizade em Brasília. Sempre tive admiração por ambos e confiei no comando deles. Não me arrependo.
JH: Como foi para reconstruir a vida, sem exercer a sua vocação de homem público?
Foi uma espécie de pós-graduação na Universidade da vida. Diz-se que “quando você precisa tomar uma decisão e não toma, está tomando a decisão de nada fazer”. Voltei à advocacia, com escritório de boa clientela. Foi uma decisão correta, apesar da alma mutilada. Hoje continuo a exercer a advocacia em Natal com Ney Jr e colegas.
JH: Quando e como recomeçou a disputar mandatos eletivos?
NL: Em 1982, após ter sido o coordenador geral da campanha vitoriosa de José Agripino ao governo do estado, cheguei a primeiro suplente do senador Carlos Alberto. Em 1986, na assembléia nacional constituinte, voltei à Câmara, lá permanecendo durante seis mandatos. Além disso, fui vice-prefeito de Natal e exerci no período de quatro anos a honrosa presidência do Parlamento Latino Americano, que reúne todos os parlamentares da América Latina e do Caribe. Presidi a Fundação de Estudos Políticos do DEM, várias Comissões na Câmara, como a de Constituição, Justiça e Redação final e a mista do Mercosul.
JH: O sr. foi considerado, por vários anos, um dos melhores parlamentares brasileiros?
NL: O DIAP (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar), órgão da CUT, acompanhou as atividades do Congresso Nacional mais de 14 anos consecutivos. O meu nome foi permanentemente incluído na lista os “100 cabeças do Congresso” – aqueles tidos como os mais eficientes no Senado e na Câmara. A revista VEJA publicou em setembro de 1998 os parlamentares brasileiros considerados “Os bons da Câmara”. Fui um desses nomes. O Correio Braziliense (28.06.06) publicou análise do DIAP, na qual registra que nos últimos 14 anos apenas oito deputados estiveram sempre, ano a ano, entre os melhores do Congresso. Fui um deles, ao lado de José Sarney, Delfim Netto, Pedro Simon e outros. O Instituto internacional “Public Affairs and Political Risk Analisys” escolheu-me integrante da “Elite Parlamentar Brasileira” pelo desempenho jurídico e político em questões internas e externas (2000/2006). ÉPOCA, em 06/05/02, divulgou pesquisa sobre os “alunos nota 10″ e fui considerado, entre os 594 deputados e senadores, um dos 14 (quatorze) melhores Parlamentares do Brasil. Certamente paguei um elevado preço, por receber esse reconhecimento público, causado pela inveja e o despeito. Porém, não pude evitar. O que fazer?
JH: Recebeu outras homenagens?
NL: Recebi várias medalhas do Exército, Marinha e Aeronáutica, Também do TST (grau de “Grã Cruz”); TRT; do governo brasileiro com a outorga da Ordem do Mérito Rio Branco, no grau de “Grande Oficial”, da UNESCO, ONU, Parlamento Europeu, Parlatino e Congressos Nacionais da América Latina e Caribe, como presidente do Parlamento Latino Americano.
JH: Sentiu emoção diferente em alguma dessas homenagens?
NL: Após perder a eleição em Natal para prefeito em 2004, fui à Bogotá receber o maior grau da Medalha Nacional Colombiana. Na hora da outorga foi tocado o Hino Nacional brasileiro Emocionei-me com a minha esposa, pensando que recebia aquele reconhecimento e na minha cidade Natal perdera a eleição para prefeito, por larga margem de votos. Depois raciocinei que, mesmo chocado por não ter sido reconhecida a minha boa intenção, se tratava de um fato político normal. Era o resultado do voto popular, no jogo democrático. Anormal tinha sido o ato de força e de perseguição política em 1976.
JH: O RN reconheceu a sua vocação política?
NL: Acho que sim. Basta ver as seis reeleições que tive. Porém, a caminhada foi muito difícil, pelas razões que todos conhecem. Digo sempre que na política norteriograndense sou a prova de que Deus existe. O Eclesiastes me inspirou, ao aconselhar que aqueles que esperam condições ideais nunca fazem nada.
JH: Lembra de alguma oportunidade perdida na sua vida pública?
NL: Muitas. Todas por coerência e lealdade. A principal foi ter deixado de aceitar a indicação, quase unânime da Câmara, para ser Ministro do TCU, em 2004. Os próprios ministros da Corte, à época, defendiam o meu nome abertamente. Presidindo a Comissão de Justiça tinha apoios declarados. Recuei para aceitar o dramático apelo partidário de disputar a Prefeitura de Natal e o compromisso político de que, na eleição seguinte, seria o candidato preferencial da legenda à Senador.
JH: Pensa em voltar à política?
NL: Seria hipocrisia dizer que não desejaria, ainda, ajudar o crescimento do RN, principalmente no binômio geração de empregos e novas oportunidades, com a implantação de pólo exportador e turístico no Estado, através de uma área de livre comércio, ao lado do aeroporto de São Gonçalo do Amarante. Todavia, não sou ingênuo. Não posso ser candidato de mim mesmo, embora muito estimulado por pessoas do povo. Veja o meu filho Ney Jr. autor de 38 projetos de lei em vigor em Natal – nunca houve isto na Câmara de Natal – foi às urnas e perdeu para vereador, por várias razões, mesmo preservando a fidelidade partidária e tendo exercido o mandato com dignidade e responsabilidade. Ouço diariamente lamentações porque Ney Jr não ganhou. De que adianta, se o voto foi transformado em moeda de troca, ou de ridicularia? Por tudo isso é difícil pensar em voltar. O povo quer assim, que assim seja! Dizia São Paulo: “quem está quieto, se aquiete mais!”
JH: Foi difícil recomeçar há 36 anos atrás, após a sua cassação?
NL: Não me faltou a solidariedade absoluta da minha esposa, Abigail; da família e de poucos amigos. A ingratidão sempre dói muito. Ela é a flecha venenosa, que mais corrói (às vezes mata) a alma do ser humano. Devemos aproveitar as adversidades para cultivar as virtudes. Fiz do medo um desafio e retirei de todas as circunstâncias lições de vida para ser feliz. Hoje sou um homem realizado e sem ressentimentos. Graças a Deus!
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