domingo, novembro 09, 2014

‘El País’: PT terá que aprender a conviver com a nova oposição


O jornal espanhol El País  publicou esta semana um artigodo jornalista Juan Arias sobre o novo cenário político no Brasil, após as recentes eleições que registraram uma apertada vitória de Dilma no segundo turno e um fortalecimento da oposição: “O Partido dos Trabalhadores (PT) que acaba de ganhar as eleições com sua candidata Dilma Rousseff deverá esta vez aprender a conviver com a oposição, algo a que não estava acostumado. Nos últimos doze anos de Governo petista, o Brasil viveu sem ela. O carisma de Lula e suas conquistas econômicas e sociais, principalmente de seu primeiro governo, a tinham emudecido.
Se a ausência de um partido opositor - como existe em todas as democracias maduras dos países desenvolvidos - pôde trazer vantagens aos três governos do PT, é possível que a história descubra que pode ter existido também seu lado negativo.
Nem as melhores democracias sobrevivem imunes à corrupção e a tentações autoritárias sem uma oposição democrática, real, concreta, democrática, capaz de exigir do Governo que exerça a função que lhe foi outorgada pelos eleitores. Nem mais, nem menos”.
O jornalista faz uma analogia: “Como numa família, os filhos acabariam perdendo a identidade sem uma ação vigilante dos pais, da mesma forma os governos podem esquecer sua função se lhes falta o ferrão de uma oposição que lhes lembre o que foi prometido ao se elegerem e lhes estimulem a levar a cabo essas promessas. E que lhe peçam contas”.
Juan Arias relembra a trajetória do PT, antes e depois de chegar ao Palácio do Planalto: “O Partido dos Trabalhadores foi mestre na arte da oposição antes que o sindicalista Lula da Silva o levasse ao poder. Sabiam como ninguém ocupar a rua e exigir. Se opuseram até ao texto da Constituição. Ninguém melhor do que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso sabe por experiência o que foi ter o PT na oposição que gritava nas ruas e praças "Fora FHC!". Aquela, ainda que por vezes foi dura ao extremo, serviu de antídoto aos governos e até derrubou a um deles do pedestal.
Ao chegar ao poder, o PT, que tinha até então vocação de dissidente e não de Governo nacional, teve a sorte não só de poder governar sem oposição, mas também de contar com um líder com grande força de atração nacional e também internacional.
Nem sequer no momento crucial do escândalo de corrupção do mensalão, que foi o único momento dramático para Lula, a oposição quis carregar as tintas e nunca pediu sua saída do Governo”.
“Agora, pela primeira vez, o PT pode começar a experimentar em sua própria pele o que pode significar uma oposição de verdade, que o novo líder Aécio Neves, forte com seus mais de 50 milhões de votos, afirmou que fará "sem adjetivos", mas também com total "sentido democrático".
Vai ser uma experiência nova para o segundo mandato de Dilma Rousseff. Até ontem, a rua, com suas manifestações e protestos, às vezes democráticos e às vezes não tanto, era exclusiva do PT e dos movimentos sociais. O protesto sempre tinha o DNA da esquerda”, diz o artigo.
O jornalista prossegue, citando os protestos que se espalharam pelo Brasil no ano passado e mudaram o perfil do manifestante: “A partir das últimas eleições, pela primeira vez depois das manifestações de junho de 2013, a rua começou a ser tomada não somente pelos trabalhadores, mas também pelas classes médias (às vezes filhas dos operários daquela época), que têm valores a reivindicar e queixas a apresentar.
As manifestações de junho foram abortadas pela infiltração do movimento dos violentos Black Blocs, que fizeram com que a classe média voltasse a se recolher em suas casas.
Hoje essa classe média começa a querer defender seu direito a ser oposição e a gritá-lo em público. E, em seguida, novos infiltrados que a oposição oficial do PSDB de Neves já repudiou tentam, conscientemente ou não, abortar de novo esse desejo legítimo de manifestar-se da "não esquerda". É justo negar-lhe esse direito?
Em todas as manifestações, no mundo inteiro, existem abusos e exageros; se juntam os verdadeiros amantes dos valores democráticos e os que se aproveitam da ocasião para dar uma rasteira no sagrado direito de manifestação e de protesto. Tão sagrado é o direito a governar de quem ganha as eleições como o contrário, o de exercer sua função de oposição. São as duas pernas com as quais caminha a democracia. Sem uma delas, ela sempre vai caminhar mancando”.
Juan Arias conclui: “A rua não tem dono nem ideologia. Todos têm o direito de ocupá-la democraticamente para reivindicar o que conscientemente consideram como sendo seus direitos e suas justas reivindicações.
Aprender a viver com os instrumentos da democracia nem sempre é fácil. Mas sem isso, até o melhor dos governos pode cair na tentação de prevaricar”.

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