segunda-feira, julho 15, 2013

A Consciência Política de Aluízio Alves - I Partidos Políticos: democracia ou caos

Tomislav R. Femenick - Jornalista, mestre em economia com extensão em sociologia e história, membro da diretoria do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte.

Conheci Aluizio Alves em 1960, quando de sua campanha para governador do Rio Grande do Norte. Então eu era correspondente do Diário de Pernambuco e o entrevistei; da mesma forma como também entrevistei Djalma Marinho, seu concorrente. 

Arquivo TN

Fora do campo político, meu primeiro contato com Aluízio deu-se no dia 29 de abril de 1961. As chuvas daquele ano haviam destruído cerca de 600 mil toneladas de sal que estavam estocadas às margens dos rios Mossoró e Assú – quase toda a produção projetada para o ano. Para encontrar soluções para a crise do setor, houve uma reunião em Natal, da qual participaram o governador Aluízio Alves, Celso Furtado, o superintendente da Sudene, e representantes dos industriais, trabalhadores, comerciantes e transportadores do sal. Eu estava representando o Banco do Nordeste. Na ocasião foi proposta uma ideia mirabolante: em substituição às salinas existentes seria construída uma salina única, na qual a Sudene teria participação majoritária, justificando-se para isso a redução dos custos de produção e a manutenção da competitividade da indústria salineira potiguar.

Desde então, nos encontramos várias vezes, algumas para entrevistas, outras para simples conversa, das quais sempre se originavam matérias publicadas no velho jornal pernambucano ou, ainda, nos jornais O Povo, de Fortaleza, em O Mossoroense ou mesmo no Diário de Natal, matérias que nem sempre lhe eram politicamente favoráveis. Não obstante, nossas relações sempre foram cordiais. Nunca lhe pedi e nunca ele me ofereceu qualquer cargo público. 

Nossas conversas renderam um vasto material, tendo por base um plano de trabalho que, inicialmente, previa só analisar a sua campanha para o governo do Estado e o seu período como governador, porém depois se expandiu por outros temas. 

As declarações de Aluízio, como a série anterior, foram baseadas em anotações manuscritas (da maneira antiga)  que eu fiz no momento das entrevistas, em 2003. Originalmente, esse material era para um livro que eu escreveria: “Formação do Pensamento Político do Rio Grande do Norte”. Aluízio só me pediu que nas minhas pesquisas não o tratasse como seu amigo, já que nos conhecíamos e tínhamos amizade. Em sua opinião, a amizade poderia tirar do eixo um trabalho que deveria ser, antes de tudo, o mais impessoal possível e ter um caráter eminentemente histórico e de sociologia política.

A primeira série dessas “memórias aluizistas” foi publicada na forma de entrevista, em 2006, já depois de sua morte. Hoje se inicia uma nova série de matérias, abordando assuntos tais como: partidos políticos, política partidária, a infraestrutura econômica do Estado, governos e uso da máquina governamental, as relações institucionais, a ação social do governo, o governo militar etc. 

Os Partidos Políticos

Uma das primeiras propostas do próprio Aluízio foi que fosse incluído, entre os temas da entrevista, um tópico sobre os partidos políticos, assunto sobre o que ele estava lendo bastante. Seria importante que se falasse sobre o conceito, sobre a teoria e, depois, sobre assuntos factuais, quando seria analisado o conjunto dos partidos brasileiros. Pedi que ele explicasse sua proposta.

“Primeiro temos que entender o que é essa coisa que chamamos de partido político. A etimologia, a origem da palavra, já nos diz algo, pois partido quer dizer o resultado do que é repartido, dividido. Portanto, partido é uma parte de um total. Se formos pesquisar, encontraremos as primeiras formas de organizações políticas já nas sociedades mais primitivas, todavia as disputas dessas facções eram realizadas com o uso da força física, das lutas, das guerras, e não pelo uso da razão, em que todos os participantes tenham a mesma força pelo simples expressar da sua opinião. Compreendido esse conceito, entendo que somente a partir dos movimentos que resultaram na independência dos Estados Unidos e na Revolução Republicana francesa é que, de fato, houve condições objetivas para a existência dos partidos políticos. Antes havia os senhores feudais, donos inquestionáveis do destino dos seus vassalos, depois os reinados absolutistas, que podem descritos pela celebre a frase L’État c’est moi (O Estado sou Eu), dita por Luis XIV. Os parlamentos dessa época eram meros instrumentos de sugestões aos reis e de ratificação da vontade da realeza. Portanto, não há porque se falar em parlamento em regimes em que imperava a aristocracia. Se recuarmos mais ainda e formos para a Roma Republicana ou à Grécia Antiga, veremos parlamentos cujos representantes eram representantes de si mesmo ou, no máximo, de um pequeno grupo do qual o povo era excluído. Grécia e Roma foram passos importantes no caminho da democracia – podemos até dizer que estruturantes, mesmo –, mais seus partidos eram simples ficção, se vistos sob a ótica dos conceitos atuais. Não sejamos injustos, essas duas grandes civilizações e alguns avanços ocorridos nas trevas da Idade Média. Esses tempos devem ser submetidos a critica nos seus respectivos contextos históricos.  

Entre os teóricos da sociologia política, é quase que consenso que os primeiros partidos políticos modernos apareceram na década de 1850, nos Estados Unidos. Antes lá havia o Partido Democrata-Republicano, fundado no final do século XVIII. De um racha se originou o Partido Democrata. O Partido Republicano formou-se nos anos cinquenta. Na década anterior o francês Alexis de Tocqueville já havia estudado a estrutura partidária norte-americana. Dizia ele que uma espécie de instinto aglutinava seguidores de um mesmo pensamento em torno de um mesmo líder. Quer dizer, o líder era uma pessoa de um grupo que pensava igual e não aquele que impunha sua vontade pessoal aos liderados. Esse foi o ponto de ruptura entre os sistemas partidários anteriores, de caráter autocrático, e a nova democracia, com feição do homem da rua.  

Outro grande pensador sobre os partidos políticos foi o sociólogo alemão Max Weber, esse com estudos e uma visão não centrada em um só país. Com percepção ampla e analisando fatos concretos, Weber dizia que os partidos são organismos que disputam livremente adeptos, sem recorrer a métodos violentos, divididos em dois grandes grupos: os que simplesmente buscam o poder e os que têm posição ideológica; não necessariamente puros em suas pretensões. Aqui Weber inclui a Inglaterra, dizendo que foi lá que essa característica se impôs nas organizações partidárias, dirigidas por agentes não profissionais, fato que quase transformou os partidos em grêmios, de caráter imediatista e efêmero. 

Os Partidos 

Brasileiros Pós 1988

Desde a proclamação da atual Constituição Federal Brasileira, em 1988, tem-se discutido bastante sobre a estrutura, forma e funcionamento dos partidos políticos, não somente do ponto de vista institucional, legal. Discute-se também sobre o distanciamento entre o povo e os partidos e, mais ainda, a falta de entrosamento entre as direções partidárias e os seus filiados, tendo as chamadas instâncias intermediárias ora como instrumento de controle das bases, ora como meio de contenção das opiniões dos organismos mais baixos, calando suas posições e sufocando suas vozes de forma peremptória. Sobre o assunto, Aluízio Alves pensava o seguinte:

“No Brasil atual, os partidos políticos têm três feições. Uns são representantes de parcelas expressivas da população, quer pelo seu tamanho e pela capacidade que as bases possuem de interferir nas decisões de suas respectivas direções estaduais e nacionais. Ouros, apesar da compreensão que tem do sistema democrático, funcionam como uma espécie de feudo, submetidos a vontade de um líder que age como “dono” e a atuação do partido é só expressão da sua vontade.  A Constituição de 1988, respeitando a sua configuração cidadã – como bem disse Ulisses Guimarães ao proclama-la –, abriu oportunidade para um terceiro tipo de partido: os mini-partidos ou, como popularmente são chamados, os partidos nanicos. Por sua vez esses se dividem em duas categorias bem distintas: os partidos ideológicos e as legendas de oportunidade.  Nos primeiros deles, há predominância de uma militância radical e violenta, isso por estarem descompromissados com o arcabouço democrático da sociedade. No segundo, com raras exceções, há uma espécie de apatia, de abdicação de disputas, que resulta em um adesismo constante aos governos de qualquer instancia, em troca de cargos e empregos públicos.

Novos Caminhos

Sempre que há problemas, há que se procurar soluções. Então, se os partidos políticos brasileiros fazem aflorar uma série de problemas de caráter político e alguns predominantemente morais e éticos, há que buscar resposta para esses desvios; esses afrontamentos ao estado democrático de direito. A pergunta que fiz em seguida foi: quais as causas desses desvios e quais as soluções possíveis? 

“As causas são conhecidas. Nós somos um país edificado sobre um conceito de mando. Um conceito que distorce qualquer percepção de cidadania, qualquer sentido de igualdade entre as pessoas. Aqui os governantes se confundem com os príncipes, por se julgarem acima de qualquer ordem social, com os senhores das “casas grandes”, por não aceitarem que suas ordens sejam contestadas, e com os “capitães de mato”, por perseguirem os que lhe fazem oposição. Por isso é que é muito difícil a prática da democracia política, social e, por que não, econômica. Essa não é a realidade imperante somente nos grotões dos sertões ainda incultos. É a nefasta realidade dos grandes centos urbanos e, mais perniciosamente, em Brasília. Talvez algumas pessoas possam considerar que essa minha maneira de pensar seja muito crua, muito azeda, muito dura. Mas é o que eu penso.

Confesso que nem sempre tive essa percepção da realidade brasileira. Agora, com a reclusão forçada pela minha doença, tenho tido muito tempo para refletir. O povo brasileiro é essencialmente bom, simples, ordeiro. Com simplicidade, muitos esperam ser conduzidos por líderes que sejam uma espécie de Dom Sebastião, o rei messiânico de Portugal que desapareceu na África. Acho que isso é que deu força ao caudilhismo getulista, a estroinice janista, ao moralismo que deu origem ao golpe militar e permitiu o aparecimento do Collor. Nós brasileiros temos outro defeito de percepção. Juntamos os conceitos de poder e honra. Isso é uma tremenda nebulosidade intelectual. Respeitamos em demasia o poder, quase que batemos continência aos seus detentores. Ora, se quem dá poder aos governantes é o povo, o povo é quem realmente tem poder; mas nós não temos essa visão. 

Como consertar tudo isso? Bem, não devemos desconsiderar a capacidade de reação do povo. Nossa democracia é nova, está apenas engatinhando. Até os anos trinta [do século passado] o coronelismo ditava os caminhos da política nacional. Depois tivemos a ditadura de Vargas; no início disfarçada, depois escancarada durante o Estado Novo. Em seguida, por escassos anos, tivemos democracia, porém ainda com grande influência do estilo getulista. A ditadura militar de 1964 durou vinte e um anos. Portanto, nossa democracia é jovem e ainda estamos aprendendo como praticá-la. Temos é que fortalecer os partidos, mas para isso é necessário reestruturá-los, obrigando-os a se abrirem para o povo. Este é o único caminho. Do contrário teremos um tremendo descaminho, um limbo afastado da presença democrática, um prenúncio do caos. Caos político não somente na forma de ditadura de direita ou esquerda, a visão primária que geralmente se tem. É também a desordem institucional, o descrédito nos governantes e nos órgãos do governo ligados à justiça, à segurança pública, ao ensino, à saúde etc.; isso tanto pode ser causa como efeito da posse do Estado por um grupo que defende apenas interesse de uma oligarquia política, social ou econômica, desassociada dos interesses do povo.  

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