Maria da Guia Dantas - Repórter
Um conflito que envolve uma dívida superior a R$ 100 milhões da Companhia de Águas e Esgotos (Caern) com a Companhia Energética do Estado (Cosern) foi julgado ontem pelos desembargadores da 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça (TJ/RN), que por dois votos a um decidiram pela manutenção integral do montante, que está sendo questionado por supostamente estar superestimado. O débito tem origem em faturas mensais das unidades consumidoras da Caern, entre maio de 1992 a junho de 1995 e agosto de 1997 a dezembro de 2002, período em que ambas eram empresas de economia mista e tinham como maiores acionistas o Governo do Estado. A Cosern foi privatizada em dezembro de 1997. A maior parte do débito, portanto, é anterior à privatização.
Adriano Abreu
Desembargador Vivaldo Pinheiro deu um dos votos decisivos na 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça
A Caern alega que o débito, além de superestimado, vem comprometendo as finanças já apertadas. Essas dificuldades estariam sendo refletidas nas dificuldades orçamentárias para cumprir os compromissos provenientes das despesas gerais e na qualidade do serviço à população.
O desembargador Vivaldo Pinheiro e o juiz convocado Nilson Cavalcanti foram os responsáveis pelo ganho de causa da Cosern. Foi vencido o desembargador Osvaldo Cruz, que votou em favor da Caern. Eles mantiveram decisão do juiz da 15ª Vara Cível de Natal, Patrício Lobo Vieira, que já havia julgado improcedentes as alegações da autarquia de águas e esgotos. O magistrado de primeiro grau concordou com a empresa de energia elétrica, que questionou um laudo pericial paralelo feito pela Caern, sob o argumento de que se trata de um "amontoado de suposições desenvolvidas sem metodologia".
A Companhia de Águas e Esgotos reconheceu a dívida com a Cosern em março de 2004, quando o presidente era o atual prefeito de São Gonçalo do Amarante, Jaime Calado. Na época, foi pactuado um Instrumento Particular de Reconhecimento, Consolidação, Pagamento e Parcelamento de Débito (IPRC), que atestava a cifra de R$ 99,5 milhões, a ser quitada em 227 parcelas. A dívida resultara de débito remanescente de um outro IPRC, no montante de R$ 77,1 milhões, cujas 120 parcelas de pagamento somente foram cumpridas até a 72ª. Para chegar aos R$ 99,5 milhões, o acordo celebrado entre as Companhias em 2004 juntou ao débito outros R$ 22,3 milhões que corresponderia às faturas de consumo relativas ao período de agosto de 1997 a dezembro de 2002, que também não teriam sido pagos.
O Governo do Estado não se pronuncia sobre a dívida da Caern, considerada "impagável" de tanto que cresce, sobretudo por causa das fartas correções monetárias. Isso porque a empresa é uma sociedade de economia mista, portanto, tem personalidade jurídica própria. Os advogados da Caern também não comentam o assunto, segundo a assessoria de imprensa, porque há um consenso na empresa de não se pronunciar sobre processos no âmbito do Judiciário. Até ontem a Companhia não havia sido notificada da decisão do TJ/RN, mas já avisou que vai recorrer até a última instância possível. Ainda de acordo com a assessoria de imprensa da Caern, o questionamento da dívida no âmbito do TJ/RN não impede o pagamento mensal dos valores, que estariam fixados atualmente em 2,1 milhões.
Companhia providenciou auditoria
Em 2004, a Caern contratou uma empresa para realizar uma auditoria no débito da companhia para com a Cosern, já na ocasião reconhecido em R$ 99 milhões. O argumento da época era de que a autarquia havia chegado a valores "bem diferentes" dos apresentados. O procedimento foi feito através de Autorização para Execução de Serviços (AES), que especificou o serviço contratado como um "exame pormenorizado das faturas mensais de energia elétrica das unidades consumidoras da Caern, relativas ao período de 10 de maio de 1992 a 30 de junho de 1995." As constas desse período estariam, segundo o relatório da AES, entre as que não foram pagas integralmente pela companhia, resultando em uma dívida consolidada de R$ 31 milhões, em julho de 1995, reconhecida em fevereiro de 1996. Somente esse débito, acrescido de correção monetária, juros e multas, representaria quase 80% dos R$ 99 milhões devidos pela companhia de águas à concessionária de energia.
Na época, o ex-presidente da Caern, Jaime Calado, foi acusado de reconhecer uma dívida de maneira ilegal, pouco tempo antes de deixar a autarquia, cuja medida teria fragilizado o já moribundo orçamento. Ele chegou a rebater as acusações feitas explicando que o valor reconhecido em março nada mais era que o total do débito encontrado por ele quando assumiu a pasta em janeiro de 2003, R$ 77 milhões, acrescidos de correção, juros e multas por mais um ano.
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